segunda-feira, 25 de junho de 2007

Créditos:

O tema de estudo e a escolha das imagens desencadeadoras desse Blog foram desenvolvidos por Eduarda Mendes;
As estórias abaixo foram escolhidas pela contadora Karin Stach;
A edição gráfica das imagens, tanto desse Blog quanto do Blog2, ficaram por conta de Ione Gomes;
A coordenação artística dos trabalhos foi da Luciana Betti;

A realização de todo o estudo e o seu compartilhar é fruto da sinergia entre as participantes do grupo de
estudos Mulheres da Demétria, sem as quais nada disso teria acontecido. A todas vocês, o nosso muito obrigada!!!

12. O Compartilhar











































O Rei dos Dragões e o Flautista
(conto chinês)
A muito, muito tempo atrás vivia, aos pés da Montanha dos Cinco Dedos, um homem que tocava lindamente a flauta de bambu. A música que ele fazia era mais melodiosa que a cantoria do melro dourado, os trinados eram mais claros que os do sabiá e as seqüências tonais mais efusivas que as da cotovia que se eleva nos ares durante o seu concerto jubiloso.
Quando soava a música da flauta, os pássaros deixavam de voar, em vez disso se sentavam sobre galhos e cercas para escuta-lo, e os camponeses descansavam, parando com o seu trabalho na terra. Os velhos sorriam, lembrando de seus tempos de juventude, e as crianças pulavam e dançavam de alegria.
As pessoas acreditavam haver algo de sobrenatural nele e o chamavam de Flautista Celestial.
Um certo dia, o Rei dos Dragões dos Lagos do Sul ofereceu um banquete, convidando um grande número de imortais.
Ele usava a sua túnica de dragão e um cinto de jade, os convidados também usavam vestimentas especiais e preciosas. E assim começaram com a sua comemoração.
Coincidiu que justamente neste momento o Flautista Celestial havia alcançado a margem daquele lago depois de haver andado por dez dias e dez noites.
Ele jogou a sua rede de pescar no lago tranqüilo, sentou-se à margem e começou a tocar a sua flauta de bambu.
No momento em que o Rei dos Dragões elevava a sua taça para brindar aos seus convidados, ele ouviu os tons daquela música encantadora. Os hóspedes ficaram tão enlevados que deixaram as suas taças de jade cair no chão. Toda a festa perdeu o seu brilho frente aquela música maravilhosa. O Flautista Celestial não sabia que os imortais o escutavam. Os imortais, por sua vez, estavam convencidos de que o flautista era um deles que tinha descido do céu.
O próprio Rei dos Dragões estava tão fascinado pela música que quis convidar o flautista a dar aulas ao seu filho. Logo descobriu a origem da música e encontrou o flautista na margem. O Flautista Celestial concordou em dar aula ao seu filho; recolheu a rede, colocou a flauta no cinto e foi com o Rei dos Dragões para o palácio. Mas logo ficou com saudades. O tempo parecia ter parado, cada dia lhe parecia ser um ano. Ao final de três anos, o filho do rei havia aprendido a tocar a flauta de bambu e o Flautista Celestial pediu permissão para voltar para casa. O Rei dos Dragões estava muito contente que o seu filho aprendera a tocar a flauta e decidiu recompensar o flautista com um presente especial. Ordenou o seu filho que levasse o seu professor à câmara de tesouro e deixasse que escolhesse duas peças valiosas.
O Flautista Celestial e o seu aluno entraram no grande e amplo edifício em que todos os tesouros do rei estavam guardados. As preciosidades eram centenas, sim, talvez até milhares.
Sobre uma prateleira brilhavam pedras preciosas, escolhidas e grandiosas, vermelhas, verdes, azuis, amarelas e violetas.
Sobre outra prateleira brilhavam barras grandes de ouro. Cestos de bambu de todos os tamanhos estavam dependurados das paredes e num armário havia capas de chuva de junco em diversos comprimentos. O Flautista Celestial andou por todos os lados e finalmente parou na frente dos cestos de bambu. Ele pensou: “Se eu tivesse um destes, poderia guardar e carregar os peixes e camarões que pesquei”. E assim pegou um cesto de tamanho médio da parede e o afixou em seu cinto.
Depois continuou a andar mais um pouco e parou na frente do armário com as capas de chuva. Ele pensou: “Se eu pegar um destes, poderei ir pescar também quando estiver chovendo”. Com estes pensamentos pegou uma capa de chuva de junco, de tamanho médio e o pendurou nos ombros. Depois de ter feito a sua escolha, o filho do Rei dos Dragões mostrou-lhe o caminho de saída.
- Por que você escolheu coisas tão comuns, e deixou as pedras preciosas, a prata e o ouro? – perguntou o menino.
- Ouro e prata não são as coisas mais úteis – respondeu o Flautista Celestial com um sorriso – depois de um certo tempo estas coisas escorreriam das minhas mãos através de troca ou venda e não seriam mais minhas. Mas agora que tenho este cesto e esta capa, poderei ir pescar todos os dias e nunca morrerei de fome.
Ao chegar em casa, o Flautista Celestial fez uma descoberta. Para sua grande surpresa, o cesto e a capa não eram objetos comuns, mas tesouros de verdade. Quando voltava, por acaso, sem pesca e com fome para casa, encontrava sempre alimentos deliciosos dentro do cesto. Assim tinha sempre uma refeição abundante, de aroma delicioso sobre a sua mesa.
Quando ia pescar no Lago do Sul, ou pegar camarões no Lago do Leste, a capa de chuva de junco se abria como asas e o carregava.
Depois de muitos anos o Flautista Celestial voou para o cume da Montanha dos Cinco Dedos. Nas costas carregava o seu cesto de bambu, e a capa maravilhosa voava em volta dos seus ombros.
Na montanha ele começou a tocar a sua flauta e os sons deliciosos soaram através do mar de nuvens.
Desde aqueles tempos a sua música traz alegria e felicidade a todos os seres humanos.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

11. A Realização




















As Nuvens
(Ruth Salles)

CúmuloBem de manhã,
lá no horizonte,
eu me acumulo
formando um monte;
E subo e cresço
longe do chão,
tomando formas
na imensidão.
Quem é aquele
rei lá em cima,
com um coroa
que pinga... pinga...
E se desmancha
devagarinho
e já virou
um carneirinho?
E o rei, agora,
é um navio
com vela e tudo
no mar bravio
cheio de espumas
que vão e vêm.
Que sou agora?
O quê? Ou quem?
NimboA nuvem bojuda,
bem gorda e graúda,
que sobe e que cresce,
no céu escurece.
Está tão aguada
que fica pesada.
Por tudo ela avança,
se espalha e desmancha.
Que céu cor de chumbo!
Que escuro é o mundo!
Com raios ou sem,
é chuva que vem.
Menino ao relento
brincou que era vento,
e aquela garota
fingiu que era gota:
“zum-zum!” e “plim-plim!”,
vão eles assim.
- Prá dentro, depressa,
que a chuva começa!
É a mãe a chamar,
e os dois a pular.
Mas soa o trovão:
“Fujona!” “Fujão!”
E os dois vão entrando,
brincando e brigando.
É o sol que se acaba!
E a chuva desaba.
EstratoQuem me vê lá no horizonte
bem comprida?
Passo até por trás do monte
de corrida.
E me espicho bem bonita
no horizonte.
Formo faixa, formo fita,
formo ponte.
E, se o sol já vai chegando
ou partindo,
quantas cores vou pintando!
Oh, que lindo!
Cirro-Lá no alto, bem no alto,
uns novelinhos de lã
correm uns atrás dos outros
à tardinha ou de manhã.
E, de noite, até a lua
fez de conta que corria.
Eu olhei na minha rua,
e era assim que parecia.
O meu pai que são
cristais de gelo no céu.
Sei que lá correndo vão
parecendo um carrossel.
Minha mãe disse: “Menino,
olhe a chuva! Tome tento”
Olhe o ar como está fino!
Céu pedrento, chuva ou vento!”

Porque o Dente-de-Leão floresce duas vezes
(Elisabeth Klein)

Certa vez o Menino Jesus brincava sozinho num prado cheio de flores. E mais que com todas as flores, ele se divertia com as cabecinhas douradas do dente-de-Leão, que brilhavam como pequenos discos solares em meio ao verde do prado. Ele havia juntado um grande ramo de flores e folhas e as flores não murcharam nas suas mãos.
Enquanto o Menino Jesus estava sentado aí, brincando, vários animais da floresta foram atraídos pela sua presença, e se acercavam devagarinho, cheios de devoção e se deitavam num círculo em volta dele. O primeiro foi o veado, que sempre é o primeiro que percebe o que está acontecendo. Depois vieram os pássaros. Mas também não faltaram os animais selvagens, o urso, o lobo e a raposa. Os peixes do riacho esticaram suas cabeças para fora da água, e por último chegou o leão e deitou-se ao lado do Menino Jesus que ficou muito contente e lhe afagou a sua juba. Estava reunida uma verdadeira assembléia de animais. Estes, porém, mostravam-se diferentes do que eram em geral. Estavam mansos e pacíficos como os seus irmãos celestiais que estão no zodíaco celeste. Assim o leão descansava ao lado de um cordeirinho numa paz paradisíaca. E quando o leão ficou com fome, deu umas mordidas nas folhas do Dente-de-Leão, que antigamente tinham as beiradas arredondadas como as folhas da prímula. E para lembrar esse momento, as folhas do Dente-de-Leão permaneceram assim, e a planta recebeu o seu nome que tem. Podemos ver os dentes do leão claramente delineados na beira da folha.
E o Menino Jesus falou com os animais. Contou de seu lar celestial, e que Ele fora enviado pelo Pai para trazer a paz. “Eu quero levar o mundo do meu Pai, o mundo celestial, não somente para os homens. Eu também vim para trazer ajuda aos animais que servem aos homens.”
Aos peixes o Menino Jesus disse: “Vejam as gotas da água. Assim vocês pertencem ao mundo, como as gotas pertencem a todas as águas do mundo.”
E aos pássaros Ele disse: “Vocês é que sabem melhor do que ninguém que tudo na Terra é interligado. Pois vocês vêem nos seus altos vôos pelo ar que a terra é um grande globo suspenso.”
Um pequeno cordeiro que havia nascido há pouco tempo, começou a balir, enquanto o Menino Jesus falava, pois estava com sede. Os outros animais quiseram repreendê-lo por causa dos balidos. Mas o Menino Jesus disse: “A nova Terra da qual lhes falo, será cheia de fertilidade.” E para o Dente-de-Leão Ele disse: “Tenha leite para que o cordeirinho mate sua sede.” E das folhas da flor correu leite e alimentou o cordeiro. Era então um leite realmente bom. Dele restou ainda uma seiva branca que não se pode beber.
E os animais disseram: “Dê-nos um sinal nessa hora em que chegar a redenção da qual você nos falou, para que possamos acreditar no novo céu e na nova Terra." O Menino respondeu: "Eu lhes darei um sinal. Observem o belo Dente-de-Leão durante o ano todo.”
O Dente-de-Leão era, há muito tempo atrás, uma flor que como todas as outras dava fruto e murchava. E os animais viram como a flor murchava como fazia normalmente, e não sabiam o que ainda estava para acontecer depois que ela murchasse. Mas então aconteceu a maravilha. A flor que havia murchado foi preenchida mais uma vez com uma nova força de vida. Como que tecido por mãos invisíveis, um novo mundo se formou. Sobre a base da flor com as folhas murchas, estendeu-se um pequeno céu estrelado, que é uma maravilha quando observamos sua delicadeza e beleza. Essa segunda floração só é possível para o Dente-de-Leão, entre todas as flores da terra, porque ele devia ser, para os animais, um sinal do novo céu e da nova terra.
Alguns anos mais tarde, Jesus, João e a Virgem Maria foram até aquele prado, e Jesus lhes contou a conversa que tivera com os animais e lhes mostrou a pequena abóboda celeste da flor.
E o que foi que fez o menino João? Ele fez o mesmo que fazem todas as crianças quando encontram flores de soprar. Ele soprou nela. E as estrelinhas com as pequenas sementes subiram com leveza pelo ar e ficaram pairando por ali. Nesse instante, veio o vento e as levou embora consigo para longe, por sobre a montanha e o vale.
A Virgem Maria que também vira tudo, pensou em seu coração: “A força celeste que desceu à Terra com esta Criança, vai espalhar-se pelo mundo inteiro, por toda parte, para bem longe, tal como o vento sopra e consegue levar para longe as sementes do Dente-de-Leão.”

sexta-feira, 1 de junho de 2007

10. Vitória sobre a Morte






































O cristal do amor

Conto do Vietnam anotado e explicado por Pham Duy Khiêm

Era uma vez um ministro chinês que tinha uma filha de grande beleza. Como era tradição nas famílias nobres daquela época, a moça era mantida afastada do mundo, trancada numa alta torre do palácio mandarim. Muitas vezes ela ficava sentada na janela, lendo ou bordando.

Às vezes interrompia o seu trabalho, olhava para o rio que passava lá embaixo e sonhava em acompanhá-lo até a planície. De tanto em tanto ela via uma pequena barca de um pescador deslizar por sobre a água. O homem era pobre, mas sempre cantava. Era difícil ver o seu rosto ou reconhecer os seus gestos de tão longe, mas ela ouvia a voz que se elevava chegando a ela.

Sua voz era bela e a sua canção triste. Não sabemos que sentimentos ou sonhos surgiram no coração da jovem através da voz e da canção. Mas um dia, porém, em que o pescador não passara pelo rio, ela surpreendeu-se com o fato de que o esperava, e esperou até o fim do dia.

Esperou por ele dias e dias, em vão. E ficou doente. Os médicos não conseguiam descobrir as causas de sua doença, e os pais começaram a ficar preocupados, quando a moça de repente ficou bem: a canção fez-se ouvir novamente.

Uma criada informou ao mandarim que mandou chamar o pescador. Recebeu-o na presença de sua filha. Ao vê-lo, algo se quebrou dentro dela e não quis mais ouvir a sua canção. O pobre pescador, porém, levou um susto mortal com a visão dela. Foi acometido pela doença tuong tu. Um amor sem esperança consumia-no, foi definhando em silêncio até que a chama da sua vida se apagou. Levou consigo o seu segredo.

Alguns anos mais tarde, a sua família desenterrou a sua ossada para levá-la ao lugar definitivo. Mas no seu caixão encontraram, no lugar dos ossos, uma pedra clara e luminosa. Prenderam a pedra como enfeite na parte da frente da barca.

Um dia o mandarim viu a barca e admirou a pedra. Comprou-a e deu-a a um amolador que transformou a pedra numa linda xícara de chá. Sempre que se vertia chá na xícara, via-se a imagem de um pescador guiando a sua barca pela xícara. A filha do mandarim ouviu desta maravilha e quis vê-la com os próprios olhos. Verteu um pouco de chá e surgiu a imagem do pescador. Ela então se lembrou dele e chorou. Uma lágrima caiu na xícara que derreteu, virando água.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

9. A Morte






















































Por que inventaste a morte?

Conto de fadas africano

No céu morava Fidi-mukullu. Ele fazia tudo e via tudo. E quando os homens ficavam velhos, morriam. Quando uma cobra venenosa os mordia, morriam. E os homens tinham muito medo. Lamentavam os mortos e lamentavam a vida. Quando havia guerra, muitos homens morriam.

Os vencedores matavam os velhos e levavam as mulheres e as crianças. E quem tivesse um feitiço ruim no corpo, ficava doente e morria. Era de chorar, a vida era muito cruel. Os pajés faziam remédios mágicos contra a doença e a morte. Mas não funcionava sempre.

Um velho que já havia vivido e sofrido muito, viu a mulher morrer. Ninguém soube ajudar. Ninguém sabia explicar porque tudo tinha que ser assim.

- Fidi-mukullu quer que seja assim!, disse o pajé.

Fidi-mukullu queria que fosse assim! O velho, então, fez um grande tambor de madeira e foi para a mata. Lá havia uma árvore oca tão grande que alcançava o céu, chegando até a aldeia de Fidi-mukullu. O velho colocou o seu tambor no oco da árvore e começou a batê-lo com as duas mãos. Bateu o tambor por muitas horas, durante a noite toda, cantando:

Fidi-mukullu,Tu és grande!
Tu decides a sorte dos homens.
Tu fizeste o mundo todo,
Os animais e os homens,
Tu ordenas a noite e envias o dia.
Tudo está bem. Mas quando o dia se vai,
Eu me lamento, Senhor,
diante de Ti, o meu sofrimento.
Por que, Senhor, fizeste o tempo
Que envelhece os homens?
Por que inventaste a morte?
Por que é esta a nossa sorte?
Fidi-mukullu, Tu és grande!


O homem cantava e batia o tambor. Era uma canção triste. O homem a enviava todas as noites para o céu. O tambor retumbava pela mata, chamando Fidi-mukullu:
- Por que fizeste a morte?

Fidi-mukullu ouviu e perguntou:
- O que é isto? Porque este homem me chama?

Ninguém sabia. Nas noites seguintes, continuaram a ouvir os chamados do tambor e a canção de lamento.
- Onde está este homem?, perguntou Fidi-mukullu.

Ninguém sabia.
- Procurem-no! Ordenou Fidi-mukullu.

Os homens andaram por aí, procurando o velho. Mas não conseguiam encontrá-lo. Na noite seguinte a canção soou novamente. As pessoas começaram a sentir medo. Fidi-mukullu estava aborrecido.

Ele chamou a formiga vermelha da floresta.
- Vá você, Lufumbe, procurar o homem que toca o tambor e canta! – ordenou-lhe Fidi-mukullu.

Lufumbe se pôs a caminhar. Foi abrindo o seu caminho através da mata comendo o que estivesse na frente. Comeu tudo e foi abrindo caminho que levava a árvore oca. Encontrou o velho.
- Fidi-mukullu te chama! - disse a formiga ao velho.

O velho seguiu o caminho comido por Lufumbe, e chegou onde estava Fidi-mukullu que estava com a cara muito brava.
- Quem é você, fica cantando que sou o Senhor e que fiz tudo bem. Mas se lamenta porque tem que morrer. Pois não sou o Senhor?

- Tu és o Senhor – respondeu o homem.

- E não posso fazer o que bem entender?

- Sim, podes porque és o Senhor.

- Então, porque se lamenta desse modo?

- Eu me lamento, porque sou humano. Tu és imortal, mas eu devo morrer. Assim tu o quiseste.

Durante o dia esqueço o meu sofrimento. Quando brilha o sol, o mundo parece bom. Mas de noite fico triste. Quando está escuro, penso na morte. Por isso, será que posso cantar pelo menos a noite, falando da minha tristeza por ter que morrer um dia?

Fidu-mukullu ficou pensativo. Respondeu depois:
- É verdade que eu permito os homens despertar para a vida e depois os deixo cair no sono mais profundo. Eu posso fazê-lo, porque sou o Senhor. Você porém, pode lamentar, porque é humano e deve morrer.

- Por que devemos morrer? – perguntou o velho.

- O que fazem? Comem, bebem e dormem. Isto é vida?

- Nós caçamos, fazemos guerra, ficamos doentes – respondeu o velho. – Construímos as nossas casas, nos enfeitamos e festejamos festas. Plantamos e colhemos, fazemos flechas, esculpimos imagens e inventamos magias. Amamos as nossas mulheres, criamos os nossos filhos e lhes contamos as velhas histórias. Nós comemos, bebemos e dormimos.

- E devem morrer! – adicionou Fidi-mukullu. - Porque sem a morte, a vida não seria boa. Continue cantando, então, homem!

O homem voltou para a sua aldeia. De noite ia para a árvore oca e suas mãos calejadas batiam o ritmo. Ele cantava a lamentação da vida e da morte:

Fidi-mukullu,Tu és grande!
Tu decides a sorte dos homens.
Tu fizeste o mundo todo,
Os animais e os homens,
Tu ordenas a noite e envias o dia.
Tudo está bem. Mas quando o dia se vai,
Eu me lamento, Senhor,
diante de Ti, o meu sofrimento.
Por que, Senhor, fizeste o tempo
Que envelhece os homens?
Por que inventaste a morte?
Por que é esta a nossa sorte?
Fidi-mukullu, Tu és grande!

quinta-feira, 3 de maio de 2007

8. O Trabalho








A Azarenta ou A Princesa da Triste Sina
Conto segundo Sfurtana, Palermo, por Agatuzza Messia, Pitré
Era uma vez um rei, uma rainha e suas sete filhas. Naquele tempo havia sido declarada guerra ao pai. Derrotado nas batalhas, ele caiu prisioneiro e perdeu o trono. Durante o cativeiro, a família real passou por sérias dificuldades. A rainha foi obrigada a deixar o castelo e a recolher-se, com suas filhas, em uma modesta cabana. As agruras eram tantas que mesmo para comer contavam com milagres.
Certo dia um vendedor de frutas, que passava pelo local, foi chamado pela rainha, que desejava comprar figos. Enquanto fazia a compra, uma mulher muito velha aproximou-se e lhe pediu uma esmola.
-Ai, boa mãe! - retrucou a rainha. - Se eu pudesse, não lhe daria apenas uma esmola. Mas eu também sou uma pobre alma, não tenho nada.
-E o que houve? Por que sois tão pobre? - perguntou a velha.
-Não o sabeis? Eu sou a rainha da Espanha. Caí na desgraça por causa da guerra que fizeram contra meu marido.
-Pobre alma! Tendes razão: por tudo vossa família fracassa! Uma de vossas filhas é perseguida pela desgraça... Enquanto a moça permanecer entre vós, jamais podereis ter sorte.
-Ah sim, minha senhora?! Porventura, qual delas é essa filha desafortunada?
-É aquela que dorme com as mãos cruzadas sobre o peito.
-E o que devo fazer?
-À noite, enquanto elas dormem, deveis acender uma vela e observá-las. Aquela que encontrardes com as mãos cruzadas devereis mandar embora. Só assim podereis reconquistar vosso reino perdido.
Na mesma noite, à meia-noite, a rainha com uma vela na mão, colocou-se diante dos leitos de suas filhas. Todas dormiam: a primeira com as mãos juntas; a segunda com as mãos sob o rosto; a terceira com as mãos sob o travesseiro, e assim por diante. Quando chegou junto à mais nova, viu que ela dormia com as mãos cruzadas.
-Ai, minha filhinha! Justamente a ti é que devo mandar embora!
Enquanto dizia isso, a pequena acordou e viu a mãe com a vela na mão e os olhos cheios de lágrimas.
-Mamãe, o que se passa?
-Ah... minha filhinha..., é que por aqui passou uma velha que me disse que uma de minhas filhas - aquela que dorme com as mãos cruzadas - encontra-se sob o signo da desgraça. E que não voltaríamos a ter sorte na vida enquanto não a mandarmos embora. E essa infeliz és tu!
-Não deveis chorar por isso, mãe. Logo me visto e de nossa casa partirei.
Vestiu-se, atou suas coisas numa trouxa e imediatamente partiu. Depois de muito andar, chegou a uma relva deserta onde só havia uma única casa. Quando se aproximava, ouviu o taramelar de um tear e viu um grupo de mulheres que teciam.
-Queres entrar? - perguntou uma das tecelãs.
-Sim, boa mulher.
-Como te chamas?
-Azarenta.
-E tu queres servir-nos?
-Sim, boa mulher.
E ela começou a varrer e fazer o trabalho de casa. Chegada a noite, as mulheres lhe disseram:
-Escuta, Azarenta, agora partiremos e te fecharemos à chave pelo lado de fora. Tu deves trancar a casa por dentro. Quando voltarmos, nós abriremos pelo lado de fora e tu pelo lado de dentro. Deves ter cuidado para que não nos roubem a seda, os debruns, e os panos de linho que foram tecidos.
Dito isto, elas partiram.
Por volta da meia-noite, Azarenta ouviu o bater de tesouras. Pegou uma vela e se aproximou do tear. Viu uma mulher que estava cortando com uma tesoura todo o pano de linho dourado que havia sido tecido.
Naquele momento ela compreendeu que a mulher era a sua má sina, que a havia seguido até ali.
Na manhã seguinte as tecelãs voltaram. Enquanto abriam a porta pelo lado de fora, a moça abria pelo lado de dentro. Assim que entraram viram todo o seu trabalho destruído e espalhado pelo chão.
-Oh, sua impertinente! É essa a recompensa por te darmos abrigo? Vai embora, imediatamente! Fora!
E a puseram para fora a pontapés.
Azarenta continuou peregrinando pelos campos, à mercê do destino. Chegando a uma aldeia, deteve-se diante de um armazém de pão, verduras, vinho e outras coisas. Pediu uma esmola. A dona lhe deu pão, verduras, toucinho e um copo de vinho. Nisso entrou o dono. Com pena da moça ele a convidou para passar a noite com eles, acomodando-a sobre os sacos do depósito do armazém.
Durante a noite, os donos, que dormiam no cômodo no andar de cima do depósito, ouviram barulhos e se levantaram: todos os tampões dos tonéis haviam sido retirados; o vinho corria por toda a casa. Quando viu a desgraça, o homem foi ter com a moça - que estava deitada sobre os sacos e gemia, lamentando-se.
-Impertinente! Só tu podes ter feito isso! - E pegou uma vara e bateu nela. Em seguida enxotou-a para a rua.
Ela não sabia para onde se dirigir e se exauriu chorando.
Quando se fêz dia, Azarenta encontrou uma mulher no campo, que estava lavando roupa.
-Por que tu olhas dessa maneira? - inquiriu a mulher.
-Senhora, não sei aonde devo ir.
-Sabes lavar?
-Sim, boa mulher.
-Então fica aqui e ajuda a lavar. Eu ensabôo a roupa e tu a enxáguas.
Azarenta começou a enxaguar a roupa e a pendurá-la no varal. A roupa secou, Azarenta recolheu-a, pôs-se a remendá-la e passou-a a ferro cuidadosamente.
Era a roupa do filho de um rei. Quando esse príncipe a viu, pareceu-lhe maravilhosamente limpa.
-Dona Francisca - disse ele -, jamais me lavaste a roupa assim tão bem! Desta vez, fizestes por merecer uma boa gorjeta.
Ele lhe deu dez pratas. Com as dez pratas, dona Francisca vestiu Azarenta da mais bela maneira. Também comprou um saco de farinha e assou pães. Junto com os pães preparou ainda dois bolos redondos e generosamente carregados de anis e sésamo; bolos que pareciam dizer: “Comam-me, comam-me.” E dirigiu-se para Azarenta, instruindo-a:
-Deves ir à beira-mar com estes dois bolos. Lá deves chamar a minha sina da seguinte maneira: “-Aaah! Sina de dona Franciscaaa...!” Assim deves fazer por três vezes. À terceira vez, minha sina aparecerá diante de ti. Entregarás a ela um dos bolos e em meu nome tu lhe darás as minhas saudações. Depois peça que te ensine onde mora a tua sina e procede com a última da maneira como vou te dizer.
Rapidamente Azarenta foi até a beira do mar.
-Aaah, sina de dona Franciscaaa! Aaah, sina de dona Franciscaaa! Aaah, sina de dona Franciscaaa! - E a sina de dona Francisca apareceu. Azarenta lhe transmitiu a mensagem e entregou o bolo. E perguntou:

-Sina de dona Francisca, poderia Vossa Excelência ter a bondade de me explicar onde mora a minha própria sina?
-Escuta, tu segues um trecho por essa trilha de muar, até chegar a um forno. Ao lado do buraco para o esfregão do forno verás uma velha bruxa sentada. Sê especialmente amável para com ela e oferece-lhe o bolo. Ela é a tua sina. Verás que ela não o aceitará e te tratará rudemente. Tu, porém, deves deixar o bolo com ela e prosseguir teu caminho.
Azarenta chegou no local indicado e encontrou a velha sentada junto ao forno.
Quase não pôde conter seu mal-estar ao vê-la, tão suja, remelenta e fedorenta era ela.
-Querida mulherzinha da sina, não quereis dar-me uma alegria... - disse, bajulando-a e oferecendo o bolo.
-Some-te! Quem te pediu o bolo? - respondeu ríspida e imediatamente a velha, virando-se de costas para Azarenta. Assim mesmo, a moça docemente depositou o bolo junto a ela e voltou para a casa de dona Francisca.
O dia seguinte, uma segunda-feira, era dia de lavar roupa. Dona Francisca pôs a roupa de molho, Azarenta esfregou e enxaguou; enquanto estava seca, ela a remendou e passou a ferro. Dona Francisca colocou a roupa numa cesta e levou-a ao castelo. Quando o príncipe a viu, exclamou:
-Dona Francisca, a mim não podeis enganar! Tal roupa como esta jamais me entregastes. - E lhe deu dez pratas de gorjeta.
Novamente a lavadeira comprou farinha, assou mais dois bolos e mandou Azarenta com eles para as mulheres da sina.
No dia de lavar seguinte, o príncipe, que queria se casar e que dava muita importância a que a roupa estivesse bem limpa, deu uma gorjeta de vinte pratas a dona Francisca. Desta vez ela não comprou apenas farinha para dois bolos, mas também comprou, para a mulher da sina de Azarenta, uma bela blusa com uma saia de crinolina e combinação. Comprou ainda delicados lenços, um pente, pomada de cabelo e outras quinquilharias.
Azarenta foi ao forno.
-Querida mulherzinha da sina, eis aqui um bolo para ti...
A mulher da sina, que entrementes já se havia tornado um pouco mais meiga, achegou-se, resmungando, para receber o pão. Nesse momento, Azarenta se lançou em cima dela, agarrou-a e passou a lavá-la com esponja e sabão, a penteá-la e a vestir a velha, da cabeça aos pés, de roupa nova. A velha, que inicialmente se havia torcido como uma cobra, mudava a olhos vistos seu comportamento quando viu como ela brilhava de tanto asseio.
-Escuta, Azarenta - disse ela -, porque tu foste tão boazinha comigo, eu te dou esta caixinha.
E ela lhe deu uma caixinha que era tão pequena quanto uma caixinha de fósforos. Azarenta correu de volta para a casa de D. Francisca e abriu a caixinha. Nela estava um pequenino pedaço de debrum. As duas ficaram um pouco desapontadas.
-Oh, ela é realmente muito generosa... - disseram; e guardaram o debrum na última gaveta de uma cômoda.
Na semana seguinte, quando dona Francisca levou a roupa ao castelo, ela encontrou o príncipe de péssimo humor. A lavadeira, que estava bem familiarizada com o príncipe, perguntou:
-O que se passa, príncipe?
-Devo me casar, mas agora ocorre que no vestido de noiva falta um pequenino pedaço de debrum. E em todo o reino não é possível encontrar o mesmo desenho de debrum.
-Esperai, majestade - disse dona Francisca.
Correu para casa, procurou a caixinha na cômoda e levou ao príncipe o pequenino pedaço de debrum. Compararam-no com o desenho do debrum do vestido de noiva e ele coincidia exatamente. O príncipe disse:
-Como tu me salvaste de tal constrangimento, eu quero pagar o debrum a peso de ouro.
Buscou uma balança, colocou o debrum em um dos pratos e no outro o ouro. Porém, o ouro jamais era suficiente. Quis pesar mais uma vez, noutro tipo de balança, uma de tipo romano: mais uma vez se deu o mesmo resultado.
-Dona Francisca, contai-me a verdade. Como é possível um pedaço de debrum pesar tanto? De quem o ganhastes?
Dona Francisca, quer quisesse, quer não, teve de contar tudo e o príncipe quis ver Azarenta.
A lavadeira aconselhou-a a vestir-se com muita beleza - com as peças que com o tempo elas haviam guardado - e levou a moça ao castelo. Azarenta entrou no aposento do príncipe e fez diante dele uma profunda reverência, pois ela era a filha de um soberano e não lhe faltava uma boa educação. O príncipe saudou-a e, oferecendo-lhe um lugar, perguntou:
-Quem és tu em verdade?
Azarenta disse:
-Sou a filha mais nova do rei da Espanha, que foi expulso de seu trono e tornado prisioneiro. Minha má sina obrigou-me a vagar pelo mundo e a suportar toda sorte de grosserias, desrespeito e pancadas.
E contou todas as suas experiências. Então, em primeiro lugar, o príncipe mandou buscar as tecelãs, às quais a má sina havia cortado a seda e o debrum.
-E qual foi o vosso prejuízo?
-Duzentas pratas.
-Aqui tendes as duzentas pratas. Sabei que esta moça em quem batestes é uma princesa. Não esqueçais! Desaparecei daqui depressa!
Depois ele mandou que trouxessem os donos do armazém, a quem a má sina havia esvaziado os tonéis.
-E qual foi o vosso prejuízo?
-Trezentas pratas.
-Aqui tendes as trezentas pratas. A próxima vez, porém, pensai duas vezes antes de surrar uma princesa. Fora daqui!
Em seguida, ele desmanchou o noivado com a sua primeira noiva e se casou com Azarenta. Como dama de honra, deu-lhe D. Francisca.
Então chegaram notícias do que havia acontecido à mãe de Azarenta. Quando sua filha mais nova partiu, a roda da sorte começou a girar em seu favor. Um belo dia chegaram seu irmão e seus sobrinhos à frente de um forte exército. Eles reconquistaram o reino. A rainha voltou com suas filhas para o castelo, onde novamente passaram a viver com todo o conforto de antes, embora a mãe vivesse atormentada pela lembrança da filha mais nova, de quem ela não sabia quase nada.
O príncipe, quando soube que a mãe de Azarenta retomara seu reino, enviou seus mensageiros e mandou dizer a ela que havia se casado com sua filha. Encantada, a mãe se pôs a viajar, acompanhada de cavaleiros e damas de honra. Também acompanhada de cavaleiros e damas de honra, a filha foi alcançá-la. Encontraram-se na fronteira e se abraçaram por muito tempo. Muito comovidas, as seis irmãs acompanharam a cena. E nos dois reinos houve uma grande festa.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

7. O Adversário





A Princesa na Coluna de Cristal

Hella Krause-Zimmer

Era uma vez uma alta montanha muito majestosa que reinava sobre a paisagem. Mas observando-a melhor, havia algo estranho nela: nos pastos não se viam vacas nem ovelhas ou cabras, não havia flores nem se ouvia pássaros cantando. As pessoas que moravam nas aldeias ao pé da montanha sabiam que era a montanha das bruxas. No meio da noite ouviam como elas brigavam e gritavam, mas ninguém sabia porque. E ninguém se atrevia a subir lá para averiguar.

Acontece, porém que, certo dia, um jovem caminhante chegou naquela região, e quando viu a bela montanha tão alta, imaginou que a vista do topo deveria ser maravilhosa, e como não encontrou ninguém a quem pudesse contar o que pensava fazer, ninguém o preveniu.

E assim começou a subir, percebendo logo que havia algo esquisito ali, pois as trilhas levavam a precipícios ou a matas cerradas, cheias de espinhos, obrigando-o a voltar várias vezes e procurar outros caminhos. Já estava entardecendo quando se aproximou de um riachinho cujas margens pode, então, acompanhar montanha acima. Já estava entardecendo quando ele viu algo brilhando no topo da montanha, iluminada pelo sol poente. Chegando mais perto, avistou muitas pedras brancas que o fitavam como olhos, e por fim chegou a uma grande rocha da qual jorrava a água que formava o riacho. Quando deu a volta na rocha, que surpresa! Avistou uma coluna de cristal e dentro dela uma princesa, a mais linda e delicada que já havia visto! Mas ela parecia tão triste, tão triste que lhe doeu o coração. Nesse meio tempo escureceu por completo e o jovem caminhante deitou-se atrás da rocha para descansar e observar escondido aquele fato tão estranho.

Meia-noite ouviu um barulho no ar e quando olhou, viu três bruxas que chegavam voando nas suas vassouras. Uma era mais feia e mais velha que a outra, os seus cabelos eram longos e não tinham sido penteados por, pelo menos, uns cem anos. As três se acercaram da coluna e começaram a brigar entre si. Arrancavam os cabelos umas das outras, batiam com as vassouras entre si, até que uma delas saiu vencedora, abriu uma portinha invisível na coluna de cristal e pegou a princesa pela mão. Quando o jovem viu que a bruxa levava a princesa para outro lugar, seguiu-as escondido nas sombras. Chegaram a uma choupana e ao entrar lá, a bruxa deixou a porta aberta, permitindo ao jovem observar tudo. E ele ouviu como a bruxa perguntava com voz toda gentil à princesinha:

- Querida, quer alguma coisa?

- Oh sim, estou com muita sede, faz três dias que não bebo nada! – respondeu a princesa.

Então a bruxa trouxe um lindo cálice cheio de uma bebida espumante que a princesa tomou com sofreguidão. Mas ao terminar, contorceu-se, jogou o cálice no chão e chorou:

- Sua bruxa malvada, o que me deu de beber? Era um refresco tão gostoso, tão doce e no final ficou tão amargo e nojento!

E a bruxa toda satisfeita, tomando-a pela mão, arrastou-a até a coluna de cristal onde ficou presa, sem nenhuma portinhola à vista. O jovem ficou mais intrigado ainda, o que seria que estava acontecendo ali? E assim se preparou para ficar mais uma noite escondido atrás daquela rocha para desvendar o mistério.

Na segunda noite as três bruxas vieram novamente, brigaram entre si e uma outra bruxa ganhou desta vez e levou a princesa consigo. O jovem as seguiu novamente e como a bruxa fechou a porta da sua choupana, ele se aproximou da janela de onde podia ver e ouvir tudo o que se passava lá dentro. Esta bruxa então falou assim com a princesa: - Querida, quer alguma coisa? Está com fome, quer comer alguma coisa?

- Oh, sim, - respondeu a princesa, - faz três dias que não como nada!

E a bruxa cobriu a mesa com tigelas, pratos e baixelas cheios das mais lindas coisas apetitosas. E o jovem ficou feliz pela princesinha poder se fartar com aquela comida deliciosa. E a princesa comeu e comeu, mas na última garfada, de repente, ela fez uma cara de nojo, jogou o garfo no chão e começou a chorar:

- Sua bruxa malvada, o que foi que você me deu de comer? No começo estava tão gostoso e esta última garfada foi tão amarga e nojenta!

E a bruxa, dando gargalhadas, pegou a princesa pela mão, arrastou-a até a sua coluna e trancou-a lá dentro novamente, sem que houvesse uma porta visível. O jovem ficou com o coração doendo de dó, mas não sabia o que fazer para ajudar e decidiu ficar mais uma noite.

Na terceira noite as três bruxas chegaram, brigaram como das outras vezes e dessa vez foi a terceira que venceu. O jovem seguiu-a e viu como ela levou a princesa para a sua choupana. Escondeu-se debaixo da janela e ouviu a bruxa perguntar:

- O que posso fazer por você, querida? Quer ouvir um pouco de música, por exemplo?

- Oh sim, respondeu a princesa. Faz tanto tempo que não ouço música e é tão silencioso dentro da coluna!

E a bruxa pegou uma harpa e começou a tocar e cantar tão bonito que não dava para acreditar que fosse uma bruxa! A princesa se pôs a dançar e o jovem ficou encantado com a leveza de seus movimentos, mas neste momento a bruxa enfiou as unhas nas cordas e a música se tornou um barulho insuportável, mas por ser uma música enfeitiçada, a princesa não conseguia parar de dançar até cair no chão com os pés feridos. E foi aí que o jovem teve uma idéia. Correu de volta para a coluna que tinha ficado com a porta aberta, retirou o último pedacinho de pão da sua mochila e o colocou dentro da coluna e depois se escondeu.

A bruxa, rindo alto, arrastou a princesa com os pés machucados, de volta para a coluna, fazendo desaparecer a portinhola.

Na manhã seguinte, a princesa ao acordar, viu algo no chão e descobriu ser um pedacinho de pão. Levantou-o e deu uma mordidinha e saboreou este bocado como se fosse a maior delícia do mundo. E bocadinho após bocadinho comeu todo o pão, sorrindo de olhos fechados.

À noite, quando a primeira das bruxas venceu a briga e a levou à sua choupana e lhe perguntou se ela queria comer alguma coisa, a princesa respondeu:

- Muito obrigada, mas hoje eu comi algo muito melhor do que qualquer coisa que você poderia me dar!

A bruxa ficou furiosa, deu um berro, pegou a princesa pelo braço e a arrastou para a coluna de cristal. Mas antes disto, o jovem lembrara de outra coisa que poderia dar à princesa e correra na frente. De sua mochila tirou uma tigelinha que sempre usava para tomar água, encheu-a com água da fonte e a colocou dentro da coluna que ficava sempre aberta quando a princesa não estava lá dentro.

E na manhã seguinte a princesa percebeu que algo no chão faiscava à luz do sol e quando se agachou viu ser um recipiente com água cristalina. Tomou-a saboreando cada gole e permaneceu sorrindo o dia todo.

À noite, quando a segunda bruxa a levou a sua choupana e lhe ofereceu algo para tomar, a princesa respondeu:

- Muito obrigada, mas hoje tomei algo muito melhor que qualquer bebida que você possa me dar!

A bruxa deu um berro pior que a outra, deu um salto pela janela, entrou pela porta novamente, pegou a princesa pelo braço e correu com ela para a coluna tão depressa que a princesa mal conseguiu acompanhá-la.

Desta vez o nosso caminhante não soube mais o que poderia dar à princesa e de tão cansado de todas as noites em que passara observando aqueles acontecimentos, sentou-se ao lado da coluna e adormeceu.

Na manhã seguinte, a princesa acordou ouvindo um som que pareciam badaladas de um sino. Como isso, se nunca ouvira nada dentro da coluna? Olhando ao redor, descobriu o jovem adormecido ao pé da coluna, encostado nela. E as batidas do seu coração tinham feito a coluna de cristal vibrar e emitir aqueles belos sons...

O jovem, ao sentir o calor do sol nas suas faces, acordou assustado, levantou-se de um pulo e foi para o seu esconderijo atrás da pedra.

Na noite seguinte tudo aconteceu como das outras vezes, até a terceira bruxa levar a princesa e o caminhante as seguiu. Quando a bruxa ofereceu fazer música para a princesa ela somente respondeu:

- Muito obrigada, mas hoje ouvi algo muito mais lindo que qualquer música que você pudesse fazer!

A bruxa deu um berro medonho, saiu voando pelo telhado da sua choupana, encontrando-se no ar com as outras duas bruxas, e as três nas suas vassouras chocaram-se no ar, brigaram até que os seus cabelos pegaram fogo e elas sumiram numa nuvem negra de fumaça.

A princesa tinha corrido para fora da choupana e lá o caminhante foi ao seu encontro, envolveu-a com o seu manto e voltaram juntos para a coluna de cristal. Mas esta havia desaparecido. No seu lugar surgiu um pequeno trono dourado, justamente do tamanho certo para a princesa. Em volta do trono ergueram-se paredes douradas que foram montando um lindo castelinho. As pedras brancas em volta do topo da montanha se transformaram em seres humanos. O caminhante olhava surpreso para tudo isto, quando a princesa o tomou pela mão e começou a lhe explicar: as três bruxas, por inveja e maldade haviam enfeitiçado o seu reino, mantendo-a cativa na coluna de cristal da qual ela somente seria libertada quando conseguisse rejeitar as ofertas das bruxas. Mas isto fora impossível, pois deixavam-na tanto tempo sem comer ou beber, e naquele silêncio total da coluna, que nunca conseguira dizer não, até que o caminhante, com os seus presentes e sua presença lhe havia dado as forças para rejeitar qualquer oferta delas. E agora ela pedia que ele reinasse com ela, e todo o povo que fora desencantado com a princesa aclamou-o o seu rei.

Fizeram uma linda festa de casamento e a princesa e o jovem caminhante principiaram a sua regência, podendo ver do castelo, todo o seu reino, do amanhecer até o pôr do sol.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

6. O Batismo





O Filho do Rei
Tania Cristina Walzberg
Era uma vez um reino em que as plantas davam lindas flores, havia muitos frutos, as crianças eram saudáveis e alegres e não existia miséria.
Em frente ao palácio havia uma árvore maravilhosa, mais velha que o sábio mais velho de todo o reino, mais velho que o seu pai e seu avô. A enorme ramagem cobria a feira semanal e os vendedores de legumes e frutas sempre faziam bons negócios na sua sombra.
Todos amavam e admiravam a árvore, sim, ela já era um símbolo daquele reino.
O jovem filho do rei gostava muito de plantas e adorava observar os bichos. As tardes ele passava no jardim ou fazia pequenos passeios. Não era raro ele trazer na sua volta um animal ferido ou uma planta interessante.
Assim os anos foram passando felizes. Um dia o rei, seu pai veio falar-lhe:
- Meu filho, uma grande desgraça está desabando sobre nosso reino. Pois contam nos países vizinhos que a nossa bela árvore está doente e terá que morrer logo. Agora nossos sábios foram ao local e constataram que isso é verdade. Por isso te peço que vá lá também, olhe bem e veja o que está acontecendo. Saiba que com a árvore doente todo o nosso povo ficará doente também.
O príncipe correu para fora do palácio e viu as pessoas em volta da árvore, crianças perguntavam baixinho aos seus pais o que estava acontecendo e duas velhas sentadas num canto choravam.
-Pai - disse o príncipe ao voltar ao palácio. - Pai, é verdade. Temos que ajudar a árvore. Então permita que eu saia pelo mundo, vou pedir conselho aos homens e aos espíritos.
Assim o jovem filho do rei começou a sua caminhada e encontrou pessoas boas e más, foi perseguido por bons e maus espíritos, fez amizade com animais, que lhe ajudaram várias vezes e chegou a países desconhecidos e estranhos.
Ele teve muitas vivências bonitas, mas ninguém soube dar-lhe um conselho. Por três verões e três invernos ele já estava procurando, sem resultado nenhum. Triste andava por um campo e não sabia mais para onde ir.
Estava ficando sem esperança quando ouviu nos ares um pássaro, e olhando para cima ficou admirado em ouvir o pássaro falar-lhe:
- Querido príncipe, por que olhas tão desanimado e triste, por que não voltas para casa e para junto de teu velho pai? Ele sente saudades.
- Oh, tu sabes algo sobre meu reino? Diz-me, como estão todas aquelas queridas pessoas?
- Não estão muito bem, não ouvi nenhuma risada alegre, homens e mulheres parecem doentes e não tem mais palavras amáveis uns para os outros.
- Querido pássaro - disse o príncipe - eu estou andando pelo mundo em busca de ajuda para nossa linda árvore, pois ela está doente e é por isso que não há mais alegria.
O pássaro ficou muito admirado com tudo isso, sobrevoou algumas vezes a cabeça do príncipe e lhe contou de uma água curativa que saía de uma rocha num bosque escuro.
O príncipe ficou contente. - Finalmente uma esperança! Diga-me, onde encontro esse bosque e a água maravilhosa?
O pássaro olhou atentamente para ele e disse: -Faz muito, muito tempo que estive lá pela última vez, e além disso é uma tarefa perigosa, pois estando lá, espíritos horríveis te ameaçarão com maldições e feitiços, sei de pessoas que nunca saíram desse lugar assustador.
- Quero tentar mesmo assim, mesmo que tenha que lutar contra cada um dos espíritos e contra todos os espíritos de uma vez, se for necessário.
O pássaro avisou-lhe ainda: - Os espíritos não podem fazer mal nenhum a um coração puro, mas logo que um pensamento ruim, desprezo ou impaciência surgirem em ti, já poderão ferir-te.
O príncipe então pôs-se a caminho mais uma vez. Quando depois de muitos dias ele finalmente chegou à beira do bosque, ele viu o pássaro por última vez. Agradeceu-lhe em pensamentos e desapareceu atrás das árvores escuras.
Sentiu-se pouco confortável, um vento frio soprava a seus pés, como se alguém quisesse segurá-lo ali. Bem devagar foi pondo um pé em frente ao outro, passando por cima de troncos podres, entrando cada vez mais no bosque.
Sentiu-se tonto, apoiou-se numa árvore, mas esta era muito espinhuda, e ele já queria ficar bravo, quando ouviu o murmúrio de água. Correu o quanto pode na direção do ruído que porém mudava a cada instante, forçando o príncipe a mudar também constantemente de direção, até que teve que parar para recuperar o seu fôlego e no vento ouviu uma risada de longe.
Procurou e procurou até a noite chegar, seus pensamentos sempre na árvore que queria rever logo. Exausto deitou-se e adormeceu. Sonhou com seu pai, ao lado do rei viu a rainha, sua mãe que lhe sorria suavemente. E no sonho viu também a árvore possante e muitas pessoas felizes.
Ao acordar, percebeu ao seu lado um riachinho de água clara e brilhante.
Tomou da água e ela tirou-lhe a fome e deu-lhe forças. Ele pôs-se de pé e sabia agora, que essa era a água que poderia ajudar a árvore e com ela a todo o seu reino. Seguiu o riachinho até chegar à fonte que brotava de uma rocha. Lá encheu o seu cantil e com forças renovadas tomou o caminho de casa.
As pessoas jubilaram ao vê-lo de volta. E a primeira coisa que fez foi regar as raízes da árvore com a água sanante. A olhos vistos ela recuperou-se, as pessoas respiraram aliviadas e foram retomar os seus trabalhos.
O filho do rei foi festejado com todas as honras. Quando seu pai morreu ele assumiu as suas tarefas e foi um rei bom e muito querido, que regeu com justiça e ainda realizou vários atos heróicos.

sexta-feira, 23 de março de 2007

5. A Espera




O Príncipe que cuidava de porcos
Isabel Wyatt
O príncipe Henrique era o filho de um rei. Quando o príncipe Henrique ainda era um menino, o rei morreu e um inimigo tomou posse de seu país.
O Príncipe Henrique foi enviado para a Rocha do Porco. Na Rocha do Porco um velho pastor cuidava dos porcos do rei e o príncipe deveria ajudar-lo. A Rocha do Porco era cercada por água por todos os lados. Mas num dia muito claro, o príncipe Henrique avistou penhascos ao longe.
- Que país é aquele?
E o velho pastor lhe contou:
- É um país ao qual não se deveria tentar ir. Lá todos os homens morrem de medo de um javali muito selvagem.
Príncipe Henrique disse aos seus porcos:
- Eu tentarei ir para aquele país, com javali selvagem ou não. Porque se eu conseguir fazê-lo, estarei livre.
Mas como ele iria até lá? Era muito longe para ir nadando. E ele não tinha barco para ir navegando. E ferramentas ele também não tinha.
O velho pastor mantinha as porcas e os leitões num chiqueiro perto de sua cabana. Todos os dias ele mandava o príncipe para a floresta para que os grandes porcos engordassem. O dia inteiro, os porcos comiam as nozes que caíam das árvores. Quando viam que o príncipe apanhava um graveto, eles corriam até ele, soltando grunhidos de alegria. Ficavam parados quietinhos, para que ele os coçasse nas costas e atrás das orelhas. Depois deitavam e dormiam.
E assim sete anos se passaram. O príncipe Henrique era agora um homem. E, um dia, o mar jogou um tronco na areia.
O velho pastor dormia sempre ao meio-dia. E neste momento, o príncipe passou a deixar os porcos comendo na floresta e corria para a praia.
Com lascas de pedra bem afiadas, pouco a pouco, escavou um barco naquele tronco. Um galho serviu-lhe como mastro. Dois galhos seriam os remos. Mas ele teria que ficar ainda na Rocha do Porco até que soprasse um vento do oeste. Dia após dia, o vento soprava de todos os lados menos do oeste. Um dia, finalmente, uma leve brisa começou a soprar daquela direção.
O príncipe Henrique deixou os porcos comendo na floresta e correu à praia.
Puxa, empurra, puxa, empurra, puxa, empurra e tchibum, seu barco estava no mar!
Ele pendurou no mastro o seu casaco, para receber o vento que vinha do oeste. E com um remo em cada mão deslizou sobre o mar.
Balança, balança, tchip, tchap, balança, balança, tchip, tchap....E assim ele ia com a ajuda do vento do oeste.
A Rocha do Porco era somente um pontinho no mar às suas costas. Os penhascos na sua frente ficavam cada vez mais próximos. Agora já podia ver as muralhas de uma cidade e uma floresta. E de repente o mar jogou-se sobre o seu barco. Jogou-o para cima, jogou-o para baixo, jogou-o nas areias ao pé dos penhascos.
Homens na muralha da cidade viram-no e correram até ele pela trilha que havia entre os penhascos. Seguraram-no pelos pés, para que a água engolida por ele pudesse sair. Depois deitaram-no na areia e tiraram mais água dele.
Logo o príncipe sentou-se e disse aos homens:
- Vocês continuam com medo de um javali selvagem nesse país?
- Oh sim - responderam eles.
- Então tragam-me o seu rei - disse o Príncipe Henrique.
- Nós não temos rei - lhe contaram. - Nosso rei morreu faz pouco tempo. Sua única filha é agora a nossa rainha. Ela se casará com o homem que matar o javali.
- Então tragam-me um saco e uma lança - disse o príncipe Henrique.
Pegou o saco e a lança que lhe trouxeram e subiu os penhascos. E entrou no bosque.
No bosque foi de árvore em árvore catando nozes, até o saco ficar cheio. O javali selvagem sentiu o cheiro de ser humano no bosque, e seus olhos ficaram vermelhos e espuma caía de seus lábios. Depois saiu correndo em disparada: corre, salta, pula, empurra, derruba... O príncipe Henrique subiu numa árvore e o javali correu até lá.
Suas presas eram longas. Suas presas eram fortes. A cada investida do javali selvagem o príncipe sentia a árvore debaixo dele tremer, os galhos agitarem-se. E ele jogou algumas nozes no chão. Logo que o javali viu as nozes, parou e começou a comê-las. O príncipe jogou mais nozes e mais nozes, até o saco ficar vazio.
Por fim o javali estava bem satisfeito. Então o príncipe Henrique segurou-se num galho com as pernas e com sua mão esquerda. Com a ponta da lança coçou as costas e as orelhas do javali selvagem.
Grunhe, grunhe, grunhe, o javali selvagem estava felicíssimo. Ficou parado quietinho para desfrutar aquelas cócegas. E finalmente deitou e dormiu.
O príncipe Henrique enfiou a lança na nuca do javali. E com isso, terminou assim com o medo que existia naquele país. O príncipe Henrique voltou à cidade nos penhascos e mandou homens buscarem o javali morto para que todos pudessem vê-lo.
A rainha saiu correndo da cidade para encontrar o príncipe. Tomou-lhe as duas mãos e disse:
- Essa é a sua cidade, esse é o seu país agora - ela lhe disse. - De hoje em diante você é o rei. Mas conte-me, como conseguiu fazê-lo? Quando outros homens tentaram matá-lo, o javali selvagem os deixou em pedaços!
- É que eles não sabiam tudo o que eu sabia - disse o príncipe Henrique. - Eles não cuidaram de porcos por sete anos!

sexta-feira, 9 de março de 2007

4. O Sacrifício




De como o Trigo virou Pão
(Lenda contada por Irene Johannson)
Quando o capim viu que tinha recebido tão belas espigas, deixou - em agradecimento - brotar em cada grão uma pequena irradiação, de maneira que as espigas pareciam cheias de pequenos sóis oblongos. Os grãos cresceram, cresceram e ficaram tão pesados que as espigas se inclinaram para a Terra, dizendo-lhe: -“Querida Terra, o céu nos deu a luz e você nos deu a matéria. Em agradecimento enviamos nossas irradiações ao céu e inclinamos nossos grãos a você.” Disse então a Terra: - “Vocês agora estão contentes por estarem assim carregadas de grãos, mas ainda terão que sofrer muito. Não desanimem, pois no fim ficarão brancos como a luz celeste e receberão um novo corpo, redondo e marrom como uma pequena terra.” As espigas ouviram atentamente as palavras da Terra.
Então chegou o lavrador e ceifou as espigas. Malhou tanto o trigo, que os grãos saltaram de suas cascas. -“Este é o sofrimento do qual a Terra falou”, pensaram as espigas. -“Isto tem que acontecer para ficarmos brancas como a luz e redondas e marrons como a Terra.” Depois de terem sido malhados, os grãos foram colocados em sacos. Ali dentro era apertado e escuro. O lavrador pegou o saco nas costas e o levou para o moinho. A cada passo que dava, os grãos ralavam-se e desejavam sair daquele saco escuro. -“Que aperto e que escuridão aqui dentro!”, queixavam-se.
Depois o saco foi aberto e os grãos pularam para fora. Mas não alcançaram a luz. Foram, sim, para um funil ainda mais escuro. No moinho, o trigo foi moído e perdeu sua própria forma. Mas continuava a lembrar-se do que a Terra lhe dissera e, por isso, suportava tudo. Assim o trigo foi transformado em farinha branca como a luz celestial. Em seguida, a mulher do lavrador pegou a farinha, misturou-a com água, fermento e sal, e com a massa formou um pão redondo. Levou-o ao forno, onde ele criou uma crosta firme e ficou parecendo uma pequena Terra, redondo e marrom. Assim cumpriu-se o que a Terra prometera ao trigo quando este ainda estava no campo.